GALILEU · e‑ISSN 2184‑1845 · Volume XXII · Issue Fascículo 1 · 1st January Janeiro – 30th June Junho 2021 · pp. 8‑30 8
Diálogos de metodologia da ciência do direito:
o método histórico na perspetiva de Savigny
eLaboulaye
Methodology dialogues in the science of law:
the historical method from Savigny's perspective and Laboulaye
ALEX SANDER PIRES1
asxpires@gmail.com
GALILEU–REVISTA DE DIREITO E ECONOMIA · eISSN 2184‑1845
Volume XXII · 1st January Janeiro–30TH June Junho 2021 · pp. 8‑30
DOI: https://doi.org/10.26619/2184‑1845.XXII.1.2
Submitted on April 10th, 2021 · Accepted on May 20th, 2021
Submetido em 12 de Abril, 2021 · Aceite a 20 de Maio, 2021
RESUMO Reconhecer um método para que o Direito possa ser visto como Ciência não
é tarefa simples, principalmente quando várias áreas do saber se dedicam a este fim;
outrossim, a questão se torna mais complexa quando se exige que o Direito deva se
reconstruir para garantir uma nova conceção de império da lei. Neste contexto, ressoa
a questão: como constituir cientificamente o Direito vigente diante do desafio de
reconstrução político-social de Estado pertencente a família romano-germânica no domínio
das premissas iluministas pós-napoleónicas? Como contributo, pretende-se apresentar
dois diálogos (Thibaut-Savigny e Savigny-Leboulaye) que, partindo da reconfiguração
da Escola Histórica, permitem reconhecer o método histórico em perspetiva comparada
sugerindo a recopilação do Direito vigente, no âmbito da codificação, desde a consciência
geral do povo até o Direito científico.
PALAVRAS-CHAVE Método histórico, Direito científico, Consciência geral do povo.
ABSTRACT Recognising a method so that Law can be seen as Science is not a simple
task, especially when several areas of knowledge are dedicated to this end; furthermore,
the issue becomes more complex when it is required that Law should be reconstructed
to ensure a new conception of the Reign of Law. In this context, one question resounds:
1 Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais com estudos pós-doutorais em justiça constitucional europeia, Doutor em
Ciência Política, Professor vinculado à Universidade Autónoma de Lisboa, Coordenador e Investigador Integrado
do Ratio Legis — Centro de Investigação e Desenvolvimento em Ciências Jurídicas da Universidade Autónoma de
Lisboa [Projeto: Cultura de Paz e Democracia], e Colaborador do Centro de Investigação CEDIS/FDUNL.
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how can we to scientifically constitute the actual Law in the face of the challenge of
political-social reconstruction of the State belonging to civil law family in the domain
of post-Napoleonic Enlightenment premises? As a contribution, we intend to present
two dialogues (Thibaut-Savigny and Savigny-Leboulaye) which, starting from the
reconfiguration of the Historical School, allow us to recognise the historical method in a
comparative perspective suggesting the recompilation of the actual Law, within the scope
of codification, from the general consciousness of the people to scientific Law.
KEYWORDS Historical method, Scientific Law, General consciousness of the people.
I. Introdução
Ah, o Direito! Este complexo produto do fenómeno social que desafia a reflexão humana
desde tempos imemoriais. Viver em ordem, sempre! manter-se vivo sem regras, nunca! A
sociedade precisa garantir a ordem interna de suas instituições para manter-se viva, para
existir; para tanto, é indispensável a elevação da regra ao nível de normas e, dentre tantas,
reconhecer o elemento jurídico. Eis o primeiro ponto de angústia intelectual: no âmbito
da segurança social em ordem interna das instituições sociais, como reconhecer a norma
jurídica como única ou, ao menos, a mais importante dentre as demais normas sociais?
Coerção, coação e sanção, elementos intimamente ligados são apresentados para justi-
ficar a força da norma jurídica em sociedade; afinal, o poder irrestrito de tudo fazer deve
ser sucedido pela delimitação do agir social (se preferível, a passagem da liberdade natu-
ral para a liberdade civil e, em nível constitucional, para a liberdade política) que define,
com o máximo possível de amplitude, a conduta humana em sociedade. A norma jurídica,
pela importância e prevalência diante de outras normas sociais, prefere, agora, tratamento
diferenciado, exige ser chamada de lei, lei enquanto produto do Direito. Mas, o que garante
a autoridade da norma jurídica neste novo domínio reconhecido como lei enquanto pro-
duto do Direito?
Da vontade do povo até o interesse do Estado em reconhecer a necessidade dos fatores
reais de produção diante da necessidade política percebida em determinado momento his-
tórico, justificam inúmeras teorias, escolas e ponderações, que desafiam, para plena com-
preensão, o reconhecimento de seu valor científico. A questão agora é outra: Como tratar o
Direito visto como lei (e, ordem) no domínio científico?
Da teoria filosófica à prática sociológica, ambas restritas ao Direito — que procura um
método para chamar de seu —, muitos são os possíveis caminhos de reflexão, dentre eles o
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reconhecimento de um Direito científico concebido desde o Direito popular, inspirado no
Direito consuetudinário, e amadurecido no Direito positivo, que, reconhecendo os factos
históricos, encontra na consciência geral do povo a origem da norma jurídica transposta
em tempos modernos ao domínio do império da lei.
Eis a pretensão do presente artigo, sistematizar o método histórico na perspetiva da
Escola Histórica desenvolvida desde a influência de Friedrich Carl von Savigny, restrito
a dois limites observados a partir dos dlogos com Anton Friedrich Justus Thibaut (a
dissonância a cerca dos fins sobre os quais se deveria justificar um Código Civil geral
para toda a Alemanha, considerando a imporncia dos factos históricos confirmados pela
experiência do povo alemão, especialmente na relação com o Direito romano e os Direitos
locais, em perspetiva dos costumes, usos e tradições) e Édouard Laboulaye (pela inversão
do paradigma de influência, em que se pode perceber o contributo da Escola Histórica
alemã — pós Savigny — na perceção dos juristas franceses; e, isto, tem relevância ao se
reconhecer a resistência de Savigny à experiência “científica” francesa que originara o
Código napoleónico).
II. Emblemático ano de 1814: debate entre thibaut e savigny
Quem lê o Über die Notwendigkeit eines allgemeinen bürgerlichen Rechts für Deutschland2 (Sobre
a necessidade de um Direito Civil geral para a Alemanha), de Anton Friedrich Justus Thi-
baut, se depara logo no início com a afirmação que “todas as classes serviram a boa causa
com uma energia e harmonia que quase se pode dizer sem precedentes, e os nossos prínci-
pes têm todos os motivos para estarem convencidos de que os alemães são um povo nobre,
forte e generoso, não só pedindo insistentemente justiça aos seus governantes, mas tam-
bém expressando a sua gratidão, e que este momento magnífico deve, portanto, ser usado
para destruir de uma vez por todas os velhos abusos, e para lançar uma base firme para a
felicidade do indivíduo por instituições civis novas e sábias”3.
A dita referência marca dois pontos fundamentais do argumento de Thibaut e introduz
o momento vivido pela Alemanha em 1814, sempre em referência a tradição política, social
2 THIBAUT, Anton Friedrich Justus — Über die Notwendigkeit eines allgemeinen bürgerlichen Rechts für Deutschland. Hei-
delberg: Mohr & Zimmer, 1814.
3 Tradução livre e pessoal de: “Todos los estamentos han servido a la buena causa con una energía y una armonía
que, casi puede decirse, carecen de precedente, y nuestros príncipes tienen motivos sobrados para convencerse de
que los alemanes constituyen un pueblo noble, fuerte, generoso, que no solo recla- ma estentóreamente justicia a
sus gobernantes, sino que también expresa su agradecimiento, debiéndose, por tanto, aprovechar este magnífico
momento para destruir definitivamente los antiguos abusos y cimentar firmemente la felicidad del individuo,
mediante nuevas y sabias instituciones civiles” (Thibaut, 2015, p. 12).
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e jurídica como demonstrado pelo passado imemorial do povo alemão: os debates sobre
o desmembramento político, e a necessidade de criação de uma legislação uniforme para
toda a nação — se preferível, para todo o território.
A assinatura do Tratado de Paris, de 30 de maio de 1814, cujo término da guerra havia
garantido a liberdade aos alemães, e, mais adiante, a instauração do Congresso de Viena,
pôs em causa a influência dos franceses, tanto no trato social como em nível jurídico
assentado na realidade do Código napoleônico, vigente desde 1804. Neste tenso ambiente,
tentava-se manter a unidade alemã contra a rutura política que levasse ao restabeleci-
mento e/ou surgimento de pequenos Estados dissociados; enfim, discutiam-se os limites
do desmembramento entre os Estados alemães que viam, em sua realidade, o que as Tre-
zes Colónias Norte-americanas experimentaram, anos antes, ao constituírem, jurídica e
politicamente, os Estados Unidos da América do Norte, possível após as disputas entre os
ideólogos do confederalismo e do federalismo, havido até a promulgação da Constituição
de 1787.
A unidade alemã devia ser mantida embora respeitadas as particularidades dos peque-
nos Estados. Anal, “em uma federação de Estados pequenos, a peculiaridade do singular
goza de um amplo espaço livre, a diversidade pode desenvolver-se até o infinito e a união
entre o povo e o governante é muito mais íntima e viva”4; e, mais, o respeito à Constituição,
o estímulo a moralidade pela educação e as boas práticas de governo, garantem, além de
uma maior eficácia militar, o controle sobre os governantes e, por conseguinte, do próprio
Estado.
Criar um código de origem alemã (não de raiz francesa5) era a pretensão. Não um
código que restitsse os antigos costumes locais, tampouco que se adaptassem os antigos
digos6 fundamentados no “autêntico modo de ser alemão”; mas, um código atual — bür-
gerliches Recht7 (Thibaut, 1814, p. 12) — que fosse adequado formal e materialmente; um
código que formulasse “seus preceitos de uma maneira clara, inequívoca e abrangente”,
4 Tradução livre e pessoal de: “(...) en una federación de Estados pequeños, la peculiaridad de lo singular goza de un
amplio espacio libre, lo diverso puede desarrollarse hasta lo infinito y la unión entre el pueblo y el gobernante es
mucho más íntima y viva (...)” (Thibaut, 2015, p. 11).
5 Via o código francês (napoleónico) como garantidor do “egoísmo popular” francês contrário ao estado de igualda-
de jurídica baseado no sentido fraternal de igualdade dos alemães (Thibaut, 2015, p. 25).
6 Thibaut era crítico da legislação anterior. Por vezes, apunha-se contra o excesso de autoridade e a pocua abran-
gência da norma; que, quando muito, caracterizaria um tímido desenvolvimento para alguma instituição; em
outras, a insuficiência da norma por ser um amontoado confuso e contraditório de preceitos que se anulam entre
si, trazendo mais dúvidas do que certezas sobre o Direito (Thibaut, 2015, p. 13-14).
7 O código atual propõe ser um código (de Direito) Civil, neste compreendido os Direitos privado, penal e proces-
sual (Thibaut, 2015, p. 13).
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ordenando “as instituições civis de forma sábia e adequada, em completa conformidade
com as necessidades dos súditos” (Thibaut, 2015, p. 13).
Se o Direito em perspetiva histórica, legislado ou costumeiro, não devia ser invocado
ao novo Código, tampouco deveriam ser os Direitos canônico e romano: aquele, por deno-
tar uma alta carga espiritual sobre questões seculares, manifestadas por inúmeras dispo-
sições obscuras, fragmentadas e incompletas; e, este, por regulamentar a experiência de
uma nação estrangeira, recompilada no período de sua decadência, com costumes distin-
tos dos alemães8. Como constituir, então, o novo código?
O código pensado por Thibaut devia ser simples e nacional, construído sobre os fenó-
menos sociojurídicos e exigências da época assentadas tanto na situação civil como na
necessidade do povo, bem como ser coerente com os novos anseios dos governos alemães
centrados na união nacional tendente a garantir ao poder central um ordenamento civil
duradouro. Em técnica, deveria ser justificado no espírito alemão e totalmente acedível,
em compreensão, desde os ignorantes até os eruditos, a ponto de facilitar os julgamentos
por apresentar aos advogados e juízes um “Direito vivo atual aplicável em cada caso” (Thi-
baut, 2015, p. 20).
Meses mais tarde, ainda no ano de 1814, Friedrich Carl von Savigny publicou a obra Vom
Beruf unserer Zeit für Gesetzgebung und Rechtswissenschaft9 (Da vocação de nossa época para a
Legislação e a Ciência do Direito) com o interesse de dialogar com Thibaut, não quanto ao
fim de defender a unificação legislativa da Alemanha com o fortalecimento científico do
Direito em contraposição ao forçado uso do Código civil francês, o qual ambos estavam de
acordo, mas quanto aos meios.
Neste âmbito, Savigny discordava de Thibaut: a um, por duvidar da capacidade de uma
assembleia (colegiado constituído maioritariamente pelos representantes das forças polí-
ticas e sociais da época auxiliados por juristas) para criar um código novo com tamanha
importância e necessidade de desvelar o espírito do povo, mesmo que reconhecesse as for-
ças postas a disposição cingidas aos juristas e comerciantes/empresários (Geschäftsmänner
und Juristen von gelehrtem Beruf10); e, a dois, a amplitude das matérias e institutos jurídicos
que deveriam marcar a natureza do código em contraposição a singularidade proposta por
Thibaut com sua restrição ao que denominou de Direito civil (Direitos privado, penal e pro-
cessual), ou seja, deveria ser um código orgânico — organisches Ganze (Savigny, 1814, p. 157).
8 Há, em verdade, sobre o Direito romano, uma relação de respeito e desconfiança; o sentimento de ser importante
para formação do Direito alemão, mas insuficiente para assumir a sua autoridade; útil a interpretação do sistema,
mas não como modelo de lei (Thibaut, 2015, p. 15-18).
9 SAVIGNY, Friedrich Carl von — Vom Beruf unserer Zeit für Gesetzgebung und Rechtswissenschaft. Heidelberg: Mohr &
Zimmer, 1814.
10 Empresários (homens de negócios) e juristas de vocação erudita (Savigny, 1814, p. 156).
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O momento desafiava o equilíbrio entre a necessidade de construção de uma inova-
dora ordem normativa que garantisse e sistematizasse o novo Direito, mas sem perder o
sentimento e o respeito pelo que o passado ensinara desde a evolução natural dos povos
(alemães e estrangeiros) e suas instituições, o que Savigny via como o legado mais provei-
toso e fecundo deixado pela História. Mas, anal, que método adotar?
II.A. Método de Savigny na Beruf: entre a História e o Direito positivo
O Beruf, então, marca a refutação de Savigny aos fundamentos para elaboração do Código
civil para toda a Alemanha propostos por Thibaut, cuja pretensão seria a formação de uma
legislação orgânica que contribuísse para manter a unidade nacional legitimada por uma
ciência do Direito que respeitasse a autoridade teórico-científica, de um lado, e reconhe-
cesse a importância da História, de outro; considerando que a lei atual estava intimamente
ligada aos valores e elementos do passado da qual emergiu. Dito nestes termos, a Ciência
do Direito é histórica, incumbindo aos juristas a tarefa de adaptar e renovar os textos jurí-
dicos, do passado ao presente11.
Da atenta refutação e cuidadas objeções, percebe-se a presença de um método centrado
na alise do Direito positivo em perspetiva comparada, possível pela observação das fon-
tes jurídicas históricas, das tradições dos povos (especialmente dos povos alemães e cen-
tradas nos costumes), e dos códigos paradigmáticos da época, conforme sistematizou e,
pela importância para o binómio observação-experimentação, se induz a referência.
II.A.a. Observação e análise: os três códigos
Imbuído da missão de demonstrar, lógico-racional e cientificamente, que os códigos então
apresentados, ainda que em proposição, não teriam justificação teórico-científico, espe-
cialmente, pela dúplice restrição aos elementos históricos ilustrados pela imprecisa e insu-
ficiente materialidade, parte para alise dos três principais códigos da época: ofrancês
(imposto por Napoleão Bonaparte), o prussiano (inspirado por Frederico II) e o austríaco
(fundado nas aspirações de Maria Teresa).
Pela abrangência, reconheceu o Código francês como mais político do que técnico,
característico dos efeitos das consequências da Revolução e do despotismo militar de
Napoleão que, de facto, denotaria um retrocesso aos movimentos sociojurídicos franceses,
enquanto deveria dar atenção mais acurada ao Direito preexistente em sua dúplice mani-
festação: a influência do Direito romano e os costumes franceses (Savigny, 2015, p. 41).
11 Cf. ZIMMERMANN, Reinhard — L’héritage de Savigny. Histoire du droit, droit comparé, et émergence d’une
science juridique européenne. In: Revue internationale de droit économique, Paris. Tomo XXVII, 2013, p. 99.
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De igual modo, alertou para os desvios na elaboração do texto, uma vez que a obra pro-
posta pelos quatro relatores do Projeto devia ser deliberada pelo Conselho de Estado para
depuração e fortalecimento dos elementos jurídicos em perspetiva popular; o que se viu,
no entanto, foi a omissão, uma vez que o Conselho de Estado não interveio na parte téc-
nica, e o Código continuou a ser obra dos relatores, de juristas propriamente dito (Pothier,
Portalis, Bigot-Promeneu e Maleville).
Melhor sorte não experimentou a questão material por se apresentar incompleta e
imprecisa quanto aos três elementos que pretendia regulamentar: a seleção das matérias,
a escolha das disposições sobre cada matéria e os critérios subsidrios que permitissem a
integração normativa naquilo que o Código não se bastasse.
Em conclusão, observou que o Código não garantia — embora pretendesse — a unidade
orgânica, quer material, quer formal, uma vez que continha o amálgama de elementos
transpostos mecanicamente do Direito anterior — este, mesmo, ainda heterogêneo quanto
à relação entre o Direito romano e os costumes franceses — e da Revolução12.
Da evidente heteronomia entre os Códigos francês e prussiano, começa Savigny por
afirmar que não haveria elementos de comparação entre os ditos instrumentos jurídicos,
simplesmente pelos motivos de elaboração: a um, a atenção escrupulosa e o amor dedicado
às coisas que caracterizariam os alemães; e, a dois, as diferentes influências externas vivi-
das em França e Prússia.
Tais motivos se justificam por ter o Código francês sido elaborado rapidamente para
suavizar os efeitos negativos da Revolução, enquanto o Código prussiano teria a tranquili-
dade de ser elaborado para se constituir em obra perfeita garantida pelo equilíbrio com as
fontes locais o que lhe garantiu a condição de verdadeiro Direito subsidiário, a substituir
outros — especialmente os Direitos romano e comum da Saxónia, além de algumas leis
estrangeiras.
Em referência a técnica, o Código prussiano foi erigido sobre o Direito justinianeu, de
sorte que a relação com o Direito romano se verificaria em duas partes: a regra e as exce-
ções; sendo imperioso compreender os fundamentos da regra e bem definir as exceções,
o que somente seria possível com o sólido conhecimento da História do Direito, desde os
factos até as fontes.
A partir desta constatação, Savigny determinou o que seria o seu procedimento: pri-
meiro, resumir-se-ia o Direito justinianeu para o pleno e adequado conhecimento das
fontes; segundo, o planeamento da obra levaria em alta conta os fundamentos sobre os
12 A referência é apenas de natureza material pela pretensão de análise, nesta oportunidade, da importância de
elementos histórico e comparado.
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quais deveria ser formada a administração da justiça, a ponto de o juiz aplica-la meca-
nicamente13 por ser simples, materialmente completa e justificada nos valores do povo
(expressão de Frederico II)14; terceiro, consequente ao anterior, o método determinado pre-
veria que os casos concretos fossem julgados e resolvidos por ali estar o Direito aplicável,
sendo desnecessária a atuação dos juristas quanto ao descobrimento do Direito em todo o
ordenamento jurídico; quarto, ter atenção aos riscos de tradução dos elementos de Direito
romano para a língua alemã; quinto, respeitar a opinião popular da época sugerindo-se a
oitiva das foas sociais representativas (comerciantes e doutores — se preferível, juris-
tas); e, sexto, deveria se preocupar em promover o conhecimento dos elementos históricos,
resumidamente, do Código.
A análise do Código prussiano levou a do Código austríaco, especialmente pela simi-
laridade de fontes e de proposições. Assim, quanto a técnica, o Projeto foi fruto de um
resumo do Direito romano recompilado em idos do século XVIII, e posto ao estudo e à
análise pelas universidades e tribunais austríacos, cuja revisão deu origem ao Código.
Materialmente, o Código austríaco é considerado mais original do que o prussiano
porque os autores se preocuparam mais com a equidade natural (natürliche Billigkeit) do
que com o Direito romano, como prescrevera Maria Teresa (Savigny, 1814, p. 97). Ademais,
tratar-se-ia de um Código dedicado a regulamentar os conceitos das relações jurídicas e as
suas regras mais gerais.
Estruturalmente, dividiu-se entre os conceitos (forma ou teoria) e as regras práticas,
assim se caracterizando: primeiro, as regras práticas ganhavam mais destaque do que
os conceitos, os quais se apresentavam demasiadamente gerais, imprecisos e fundamen-
tados na literalidade ou na imprecisão das modernas interpretações do Direito romano;
segundo, a generalidade dos conceitos e a carência de um tratamento mais acurado (falta
de plenitude) sobre eles, que dificultaria a integridade material, e teria seus efeitos nas
regras práticas quando, na maioria dos casos, o Código não determinasse de maneira ime-
diata a norma jurídica a ser aplicada ao caso concreto, devendo-se proceder a um juízo
externo com amparo no tratamento indicado no Código para os casos alogos e, não
13 A intenção de Frederico II era de ter um Código que afastasse do juiz o poder de interpretar; afinal, a norma jurí-
dica devia ser clara e evidente. Acaso fosse incerta ou insuficiente era necessária a consulta ao poder legislativo
(no projeto do Código estava proibida a interpretação do juiz, e tudo era enviado à comissão legislativa, inclusive
os casos singulares — Savigny, 2015, p. 58), constituindo-se, para tanto, um procedimento prático indutivo de
técnica de julgamento e método de segurança jurídica para o juiz: primeiro, fundamento em lei; segundo, justifi-
cação nos princípios gerais do Código; e, terceiro, adoção da analogia aproveitando-se as leis afins.
14 A versão final do Código derrogou a consulta limitada e qualquer outra, readmitindo o poder de interpretar, facto
contrário a pretensão de Frederico II (Savigny, 2015, p. 58). Percebe-se, desde então, que a atuação mecânica dá
lugar à científica, mas restrita às exceções, não a regra jurídica ínsita no Código.
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sendo suficiente, a invocação ao Direito natural — reconhecidamente insuficiente e peri-
goso (Savigny, 2015, p. 68).
A observação para análise histórica em perspetiva comparada como a realizada por
Savigny sobre os três Códigos, elaborados sobre mesmo momento histórico e diante de
similar expetativa de codificação do Direito civil, permitiu-lhe três considerações: a um, os
Códigos têm origem no Direito romano; a dois, fundamentam-se em institutos de Direito
romano adaptados aos costumes (ou, se preferível, a realidade) dos povos; e, a três, a neces-
sidade de ser fiel às fontes.
II.A.b. Direito positivo: do Direito consuetudinário ao Código, uma técnica
Ao refletir sobre a origem do Direito positivo, Savigny (1814, p. 14) afirmou que todo Direito
(Recht) nasce como Direito consuetudinário (Gewohnheitsrecht), ou seja, origina-se, primei-
ramente, dos costumes (sitte) e das crenças populares (volksglaube), para após se reconhe-
cer na jurisprudência (jurisprudenz); portanto, somente em tempos modernos deduz-se da
vontade do legislador (willführ eines gesetzgeber). Percebe-se, pois, a importância da História
para compreensão de como se desenvolveu o Direito para os povos nobres.
Diante desta reflexão, viu a formação do Direito em duas fases: primeiro, o depurar da
consciência do povo que induz uma conduta formal em sociedade a partir da observação
e experimentação do que aconteceria na prática das relações entre os indivíduos que for-
mam o povo; e, depois, em tempos modernos, a transposição desta forma — desta prática
jurídica — para a teoria a partir da experiência imemorial do povo em leitura dos atuais
juristas que, não gozando da confiança e certeza dos antigos, aproveitar-se-iam do valor
das palavras postas em leis e códigos.
A transposição permite três constatações: a um, o Direito está em constante transfor-
mação (crescimento) tal qual o povo, de sorte que se constitui, aperfeiçoa e morre con-
forme as particularidades deste mesmo povo; a dois, o fundamento do Direito é a própria
consciência (Bewtsein), primeiro do povo, depois dos juristas; e, por fim, consequente da
formação da consciência, o Direito posto em teoria pela consciência dos juristas parece —
e, por vezes, realmente é — arbitrio15 (Savigny, 1814, p. 11).
Pois bem, em idos do século XIX, diante dos desafios de se criar Códigos gerais, por
certo não se deveria fazer apologia à liberdade política, tampouco a defesa das leis para
garantia de governos (embora se reconhecesse a necessidade de adequação das leis diante
da nova realidade política). Em concreto, pretendia-se, como delimitou Savigny (1814,
15 O Direito posto pela consciência dos juristas parece arbitrário pela distância desde o desvelar no âmbito do povo
(volksgeist) que nem sempre permite confirmar sua certeza; mas, também, por denotar, por vezes, uma vontade
política (quiçá um ativismo) incompatível ou contraditória com o fundamento jurídico.
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p.17-18), que o Estado investigasse e definisse seu sistema jurídico para, em um docu-
mento escrito, poder valer como fonte única do Direito vigente, cuja técnica adotada fosse
a de determinar o Direito vigente na atualidade diante da experiência e consciência histó-
rica do povo, acrescido e/ou alterado por leis novas impostas pela nova realidade política.
Quanto ao desafio de determinar o Direito vigente, o recopilador deve ter claros três
requisitos ao elaborar o Código: a) sua natureza, a qual deve ser justificada na reta deter-
minação de perquirir um Direito nacional geral que substituísse, resolvendo a crise de
validade, os Direitos locais, garantindo a mais elevada certeza jurídica que se apoiasse na
aplicação equânime; b) seu conteúdo baseado na certeza de sê-lo o mais completo possível,
uma vez que assumiria a condição de ser a única fonte de Direito responsável pela reso-
lução de todos os casos jurídicos pós-apresentados; e, c) sua forma deve ser inspirada na
aptidão para exposição em que se prestigiasse as regras gerais com linguagem acedível a
todos e dotada de atenta brevidade (Savigny, 1814, p. 20-26).
II.A.c. Do Direito romano ao Direito comum em Alemanha: refletindo
sobreométodo
Definidos os parâmetros para seu método histórico, Savigny propôs a alise prática, o
que lhe desafiou a observação pregressa do contemporâneo sistema normativo dos povos
alemães, pelo qual não tardaria a reconhecer a aproximação entre o vigente Direito comum
(gemeinen Rechts in Übung) e o Direito romano (Römisches Recht), ligados pela codificação
justinianeia, em essência, e pelos preceitos, diretos e indiretos, na prática.
Tal prática do Direito comum é percebida não só pela apropriação direta de elementos
de Direito romano, mas, também, naquilo que fora abandonado intencionalmente, cuja
compreensão somente seria possível diante das fontes comuns. Portanto, “esta imporn-
cia histórica do Direito romano é transmitida ao Direito alemão, que foi preservado em
todo o lado nas leis dos vários países, com o resultado de que continuam a ser incompreen-
síveis sem referência às fontes comuns”16.
O Direito romano que se falava, no entanto, seria fruto da longa e apaixonada expe-
riência de seu povo que lhe desafiou o desenvolvimento, interno e ininterrupto; aquele
Direito erigido sobre princípios orientadores de toda a prática que garantiria a estabili-
dade e segurança na realização dos conceitos e dos preceitos normativos. Desta relação
entre povo e princípios no desenvolvimento do Direito, que se manifesta na fácil e recí-
16 Tradução livre e pessoal de: “(...) esta importancia histórica del Derecho romano se la comunica el Derecho ale-
mán, que se ha conservado por doquier en los Derechos de los países, de manera que estos permanecen necesa-
riamente incomprendidos si no se acude a las fuentes comunes” (Savigny, 2015, p. 34).
18
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proca transição entre o geral e particular17, é que se verifica a superioridade do método dos
juristas romanos (Savigny, 1814, p. 30).
Outrossim, o Direito romano se formou quase que totalmente de dentro para fora a
partir da consciência do povo (Direito consuetudinário) com pouca imporncia, em nível
de influência, das leis esparsas. Ademais, percebe-se historicamente que enquanto se
manteve em progresso, não se pensou na elaboração de códigos (mesmo que se observas-
sem adequadas condições para este fim), sendo expediente prático somente após o período
de declínio (Savigny, 1814, p. 31).
III. O sistema do direito romano e a escola histórica
O que de todo se percebe no Beruf é a certeza de Savigny que a Ciência do Direito é his-
tórica, isto é, ultrapassaria a simples interpretação da vontade do legislador, em dado
momento, ao criar a lei, para impor ao observador a análise do Direito positivo em pers-
petiva comparada possível pela observação das fontes históricas, das tradições dos povos
(especialmente, por experiência pessoal, do povo alemão) e dos códigos paradigmáticos
da época que permitiriam confirmar a origem do Direito atual no Direito romano, direta-
mente ou por adaptação das disposições aos costumes alemães locais, bem como o dever
de fidelidade às fontes.
Quanto à técnica, leva-nos a reflexão sobre a origem do Direito positivo quando afirma
que todo Direito (Recht) nasce como Direito consuetudirio (Gewohnheitsrecht), ou seja,
origina-se, primeiramente, dos costumes (sitte) e das crenças populares (volksglaube), para
após se reconhecer na jurisprudência (jurisprudenz); portanto, somente em tempos moder-
nos deduz-se da vontade do legislador (willführ eines gesetzgeber).
Dentre as diversas considerações, duas são mais diretas: o Direito se forma na cons-
ciência, primeiro do povo, e depois do jurista (fala-se, aqui, da relação entre o wolksgeist e
a Bewußtsein); e, o Direito atual a ser recopilado ao Código deveria ser objeto de alise de
todo o Direito vigente (histórico) a admitir novas leis (adequação político-normativa).
17 “Em cada preceito fundamental veem ao mesmo tempo um caso de aplicação, e em cada caso litigioso a regra que
a determina, e o seu domínio só pode ser reconhecido na facilidade com que passam do geral para o particular
e do particular para o geral”; tradução livre e pessoal de: “En cada precepto fundamental ven al mismo tiempo
un caso de aplicación, y en cada caso litigioso la regla que lo determina, no pudiendo menos de reconocerse su
maestría en la facilidad con que pasan de lo general a lo particular y de lo particular a lo general” (Savigny, 2015,
p. 29).
19
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Este eixo temático acompanhou a produção intelectual de Savigny em várias oportu-
nidades para além Beruf18, a ponto de se poder armar que “o Direito de um determinado
período, argumentou, não pode ser entendido isoladamente, pois o presente está indisso-
luvelmente ligado ao passado do qual emergiu. A ciência jurídica deve, portanto, ser de
natureza histórica — a sua principal tarefa é a penetração intelectual, adaptação e renova-
ção dos textos jurídicos, tal como eles nos chegaram”19.
Restrito a este contexto, em 1840, Friedrich Carl von Savigny publicou sua obra System
des heutigen Römischen Rechts (Sistema de Direito Romano Atual) pretendendo definir sua
posição diante da escola histórica (historischen Schule) numa perspetiva lógico-científica
bem delimitada que, reconhecendo o constante desenvolvimento do Direito, pretendia
revisitar as teorias antigas, criticar suas imperfeições20, confirmar suas verdades e definir
a posição teórica adequada do Direito (Savigny, 1878, p. 2).
Neste âmbito, denegava o excesso de autoridade do Direito romano, mas se lhe con-
siderava a imporncia (rectius, necessidade) que impunha ao estudioso do Direito atual
seu reconhecimento, a ponto de estabelecer uma indicada comparação entre os Direitos
romano e moderno (Savigny, 1878, p. 5), diante de um minucioso método verdadeiramente
científico (Savigny, 1878, p. 9).
Desde o início, determinou que o Direito romano do início do século XIX em Alema-
nha seria seu objeto de análise, como diz, “a parte da ciência tratada na obra” (Savigny,
1878, p. 21), que se aproximava21 do Direito comum da Alemanha, especialmente no domí-
nio do positivismo. Para tanto, via como necessário o estudo sobre a natureza das fontes
do Direito; de modo que, logo, surgiu a questão: qual seria o fundamento do Direito geral?
O Direito geral não é outro senão o Direito positivo, uma vez que a inteligência humana
sempre justificaria a existência de um Direito em uma regra lógica preexistente legiti-
mada na “consciência comum do povo” (volksgeist22 — melhor a dizer, o “espírito do povo”)
18 A referência são as obras: Das Recht des Besitzes (O Direito de posse, 1803), Geschichte des römischen Rechts im Mittelalter
(História do Direito Romano na Idade Média, 1815-1831), System des heutigen Römischen Rechts (Sistema de Direito
Romano Atual, 1840-1849) et Das Obligationenrecht (O Direito das obrigações, 1851-1853).
19 Tradução livre e pessoal de: “Le droit sur une période donnée, soutenait-il, ne peut être compris isolément, car
le présent est indissolublement lié au passé à partir duquel il a émergé. La science juridique doit donc être de
nature historique – sa tâche principale est la pénétration intellectuelle, l’adaptation et le renouvellement des
textes juridiques, tels qu’ils nous sont parvenus” (Zimmermann, 2013, p. 99).
20 Imperfeição que mais adiante reafirma como erro, entendido como defeito de lógica, de desconhecimento de
um facto ou em virtude de um método vicioso (Savigny, 1878, p. 12).
21 A aproximação entre o Direito romano e o Direito comum em Alemanha, na perspetiva positivista, deveria ser
lida em dois aspetos: um histórico, pelo qual o Direito comum é o próprio Direito romano da época em Alema-
nha; e, outro constitucional, considerando que o império alemão, no âmbito da Constituição (política), consti-
tuía-se sobre um Direito territorial (local) e um Direito comum (Savigny, 1878, p. 23).
22 Pela importância para fundamentação, preferiu-se utilizar a expressão nativa como proposta perlo autor (Sa-
vigny, 1840, p. 15).
20
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que não pode ser anulada, pelo qual se pode chamar “Direito do povo”23 (Savigny, 1878, p.
29).
Considerando, então, que o Direito positivo tem sua origem na consciência comum do
povo, é possível afirmar que o tempo tem dúplice importância: a) quanto mais antigo o
Direito, maior a sua força, uma vez que a ação do tempo sobre o ele lhe torna as rzes mais
fortes no seio do povo; e, b) o próprio tempo modifica o Direito, especialmente quando se
reconhece que a sociedade está em constante mutação que desafia a reconfiguração das
relações institucionais e interpessoais, mais evidente no início e de mais complexa perce-
ção com o desenvolvimento.
Para além da legitimação e criação do Direito positivo na consciência comum do povo,
é importante dotá-lo de um elemento a mais de certeza e determinação que afastasse os
riscos das opiniões pessoais, de um lado, e da injustiça, por outro. Em síntese, seria impor-
tante reduzi-lo a lei24, enquanto “expressão do Direito popular” (Savigny, 1878, p. 44).
III.A. O método de Savigny no System: do volk ao wissenschaftliches Recht
A reconfiguração de seu pensamento e o maior interesse na alise do Direito romano no
âmbito da compreensão dos Direitos, popular e positivo, cingidos a iminência de forma-
ção da identidade nacional que impunha a constituição de um Direito científico, estimula
uma nova análise do método de Savigny no System; e, isto, desde o sentido de povo para
plena compreensão da consciência geral até a contemporânea atuação dos juristas, em teo-
ria e prática, para sedimentação do Direito científico.
III.A.a. Volk: de sujeito ativo a consciência geral
Para Savigny (1840, p. 18-20), o povo (volk) é o sujeito ativo e pessoal do Direito, uma vez que
assim considera a comunidade de indivíduos intelectualmente ligados pela língua comum
e pelas tradições renovadas, de geração em geração, desde tempos imemoriais. Vê-se, por-
tanto, a imporncia de três elementos: unidade (refere-se a todos os indivíduos sucedidos
entre as gerações, dos primeiros aos atuais), tradição (conserva o Direito positivo — positi-
ves Recht — por repassar, em nível de reconhecimento, a força do Direito entre as gerações),
e identidade (embora o Direito nasça no seio do povo e se constitua em positivo, nesta
transposição denota a uniformidade de pensamentos e de ações deste mesmo povo).
23 O Direito positivo é desvelado “deste espírito geral que anima a todos os membros de uma nação, a unidade do
Direito se revela necessariamente em sua consciência, e não é produto da causalidade” (Savigny, 1878, p. 30).
24 A lei concebida no sentido de Direito positivo posto, na forma escrita e compreensível, pela autoridade compe-
tente enquanto atributo do Estado (Savigny, 1878, p. 43).
21
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Para além da criação do Direito, o povo também dá vida ao Estado (Staat); anal, reco-
nhece o Estado como a manifestação orgânica de seu povo (Savigny, 1878, p. 34). Assim, “as
relações dos indivíduos com o Direito geral recebem do Estado a sua realidade e o seu com-
plemento. O Direito é a expressão do espírito nacional comum, e, portanto, de sua vontade,
que é também a vontade de todos os indivíduos”25.
Diante da redução e dedução do Direito e do Estado ao povo, Savigny (1840, p. 34)
alerta para o uso impróprio da expressão Direito do povo (volksrechts) enquanto sinónimo
de Direito consuetudinário (Gewohnheitsrechts). A ressalva é pertinente para sua teoria
na medida em que, por vezes, se arma que a regra de Direito é criada pelo costume; no
entanto, para Savigny, a origem do Direito não é propriamente o costume, mas a cons-
ciência geral do povo (gemeinsamen Bewusstsein des volks), manifestada em atos exteriores,
usos, hábitos e também costumes, desvelados das reiteradas condutas uniformes entre os
indivíduos que a marcam como essência26 (Savigny, 1840, p. 35); portanto, o costume é o
meio pelo qual se torna possível reconhecer o Direito positivo (Savigny, 1878, p. 41).
O costume, enquanto elemento central do Direito costumeiro, tem, então, dúplice
caracterização: ser meio pelo qual se reconhece o Direito positivo e, também, forma pela
qual este mesmo Direito se revela. Tais facetas devem ser utilizadas para cada vez mais
determinar a volta aos princípios, fundamentais e secundários, de Direito positivo que
devem estar presente no cotidiano das relações humanas justamente por representar o
sentimento vivo de volta à consciência geral do povo.
III.A.b. Direito Científico (wissenschaftliches Recht)
Progresso e desenvolvimento justificados na razão — lógica —, eis o destino das áreas do
saber que pretendessem ser reconhecidas como Ciência. Com o Direito não foi diferente
e Savigny estava atento às exigências de seu tempo: como definir o método científico que
permitisse o Direito ser reconhecido por seus próprios fundamentos diante das novas dis-
posições e relações? Ou, em síntese, como reconhecer a cientificidade do Direito diante da
25 Tradução livre e pessoal de: “Las relaciones de los individuos con el derecho general, reciben del Estado su reali-
dad y su complemento. El derecho es la expresión del espíritu común nacional, Y por consiguiente, de su volun-
tad, que es también la voluntad de todos los indivíduos” (Savigny, 1878, p. 35).
26 Mencione-se Karl Larenz: “SAVIGNY passou a considerar como fonte originária do Direito não já a lei, mas a
comum convicção jurídica do povo, o «espírito do povo» – o que aconteceu, pela primeira vez, no seu escrito
Vom Beruf unserer Zeit. A única forma em que uma tal convicção logra constituir-se não é, manifestamente, a de
uma dedução lógica, mas a de um sentimento e intuição imediatos. Ora, na sua origem, esse sentimento e essa
intuição não podem estar referidos a uma norma ou regra – concebível apenas como produto de um pensamento
racional, por ser já geral e abstracto; eles só podem ter por objecto as concretas e ao mesmo tempo típicas formas
de conduta que, justamente pela consciência da sua «necessidade intrínseca», são observadas pelo conjunto dos
cidadãos, ou seja, as próprias relações da vida reconhecidas como típicas do ponto de vista do Direito” (Larenz,
1997, p. 13).
22
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mudança deste paradigma que antes vivia na consciência do povo, mas agora cessa de ser
acessível aos membros da nação?
Diante do novo paradigma, os jurisconsultos27 (Juristenstandes) são chamados a
determinar, com rigor, a aplicação dos princípios fundamentais que desde sempre estão
presentes na consciência do povo, mas que se tornaram obscuros, de difícil perceção.
Asugestão de Savigny (1840, p. 45) leva a dúplice constatação: a um, o Direito do povo
segue o caminho regular de desenvolvimento diante dos novos elementos; e, a dois, os
jurisconsultos devem representar o povo de que tomam parte.
Em sua atuação, os jurisconsultos respondem pela criação prática e direta do Direito
se obrigando a buscar na consciência geral do povo, de que são parte, os princípios fun-
damentais para formação do Direito positivo vigente, mas também exercem a função
científica ao terem que traduzir e integrá-lo independentemente de sua origem. Percebe-
-se, desde então, que a ciência passa a ser um elemento constitutivo do próprio Direito, e
quando aplicada em todas as manifestações jurídicas, induzem um todo orgânico.
A constatação leva a reflexão sobre o risco, em tempos modernos, dada a necessidade
de resposta às novas relações e à amplitude das matérias jurídicas, que desafiam a ela-
boração de códigos completos, os quais fixam o Direito no estado em que se encontram,
imobilizando-o, e o privando do desenvolvimento constante e sucessivo impostos pelo
progresso da Ciência (Savigny, 1878, p. 48).
27 Em atenção a importância dos jurisconsultos para a formação do Direito positivo a partir da mudança do para-
digma, esclarece-se que a opção pela tradução de Juristenstandes para jurisconsulto segue a sugestão de Jacinto
Mesía e Manuel Poley conforme tradução ao castelhano de 1878, com fundamento na mais extensa tradução
do instituto proposta originariamente, como se vê em: “As formas externas que a atividade dos jurisconsultos
assume são a imagem da cultura progressiva desta classe. Em primeiro lugar, dão conselhos em certos casos
especiais, concorrem para decisão em um processo (a), indicam as formas necessárias para a solenidade de um
ato, e os seus primeiros ensaios literários são geralmente compilações de fórmulas e instruções, inteiramente
práticas, sobre as formalidades necessárias para a preparação de atos solenes. Gradualmente, as suas obras ad-
quiriram um carácter mais elevado. A ciência começa a nascer, a ter a sua teoria e a sua prática: a sua teoria, nas
doutrinas expostas por livros e relatórios orais; a sua prática, nas decisões dos tribunais, que diferem dos antigos
julgamentos populares por instrução científica dos magistrados e pelas tradições estabelecidas nos colégios per-
manentes”, enquanto tradução livre e pessoal de: “Las formas exteriores que reviste la actividad de los juriscon-
sultos, son la imagen de la progresiva cultura de esta clase. Ante todo, dan consejos en ciertos casos especiales,
concurren á la decisión de un proceso (a), indican las formas necesarias para la solemnidad de un acto, y sus
primeros ensayos literarios son ordinariamente recopilaciones de fórmulas e instrucciones, enteramente prácti-
cas, sobre las formalidades requeridas para la confección de los actos solemnes. Poco a poco, toman sus trabajos
un carácter más elevado. La ciencia comienza á nacer, á tener su teoría y su práctica: su teoría, en las doctrinas
expuestas por los libros y los informes orales; su práctica, en las decisiones de los tribunales, que difieren de los
antiguos juicios populares por la instrucción científica de los magistrados y las tradiciones que se establecen en
el seno de los colegios permanentes” (Savigny, 1878, p. 47). Outrossim, em tempos atuais, define como qualquer
pessoa que tenha estudado o Direito para exercício de funções remuneradas, tais como magistrados, advogados,
escritores ou professores (Savigny, 1878, p. 71).
23
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Por outro lado, a atuação dos jurisconsultos em favor da Ciência facilita a aplicação da
lei e, por conseguinte, fortalece-lhe as proposições garantindo a supremacia; o que leva a
constatação de terem sobre o Direito positivo uma grande influência. É neste sentido que
se fala da existência de um Direito científico (wissenschaftliches Recht) ou de Direito dos
jurisconsultos (Juristenrecht).
Do receio à certeza, da necessidade à realidade, Savigny pondera sobre o resultado da
atuação dos jurisconsultos, cuja reflexão pode ser reduzida a questão: como uma teoria
formulada por jurisconsulto pode ser considerada uma mais valia científica (dedicada ao
desenvolvimento) para o Direito? A amplitude da questão exige tríplice análise: primeiro,
perceber o que é teoria neste contexto; depois, considerando a mudança atuária dos juris-
consultos, de qual deles se fala; e, por fim, em que contingência o Direito popular se apro-
xima do Direito científico.
A teoria (theoretisch) se cinge aos elementos integrantes aos trabalhos dos jurisconsul-
tos que justificam, fundamentam e esclarecem os textos jurídicos enquanto sistema de
Direito, sem criar novos Direitos, mas garantindo a compreensão e certeza para realização
das regras jurídicas já existentes. Ademais, enquanto elemento prático, tais teorias devem
gozar de autoridade científica suficiente e adequada para indicar o cumprimento e aplica-
ção do Direito por ele mesmo, especialmente aos operadores do Direito que não gozam de
conhecimento e capacidade, de per si, para criar a própria doutrina (Savigny, 1840, p.87-88).
Em referência aos jurisconsultos, analisa-os em dúplice perspetiva: o jurisconsulto
romano (poucos eram assim reconhecidos, mas os indicados eram dotados de posição reco-
nhecidamente elevada no mundo jurídico por se dedicar livremente a função de desenvol-
vimento do Direito, tinham em suas opiniões autoridade suficiente para influenciar os
julgamentos, tanto pelo convívio com os pretores como com o imperador, bem como sua
predisposição ao progresso do Direito), e o jurisconsulto alemão contemporâneo (muitos
distribuídos por toda a Alemanha, vistos com desconfiança por representarem determi-
nada sociedade com análise parcial e fragmentária que denotaria um duvidoso conheci-
mento do Direito somente superado após longo período de ponderação que permitisse sua
teoria atingir o estado de generalidade científica).
O Direito popular se formou muito antes que o Direito científico em Roma. Em con-
creto, o Direito científico se constituiu lentamente o que lhe garantiu profundidade e ori-
ginalidade importantes para fundamentar a influência sobre outros povos e em diferentes
momentos históricos. Fruto da atuação dos jurisconsultos, a teoria caminhou juntamente
com a prática, cuja relação de proximidade, exigia da prática para a teoria a determinação
de seus elementos para plena satisfação, o que era possível no domínio científico (Savigny,
1878, p. 72).
24
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IV. Do método histórico na ciência do direito e seu futuro
A reflexão de Savigny não se restringiu a Alemanha. Contemporaneamente ao System
se observava em França, estudos da Escola Histórica como delineada por Savigny, cujo
método se adaptara ao historicismo local, como se vê, por exemplo, nos escritos de Henri
Klimrath, especialmente na obra, Travaux sur l’Histoire du Droit Français28 (Trabalhos sobre a
História do Direito francês), que influenciou, por sua vez, Édouard Laboulaye29.
Em 1855, Édouard Laboulaye publicou o texto De la Méthode Historique em Jurisprudence
et son Avenir 30 (Sobre o método histórico em Ciência do Direito e seu futuro), em que expôs
suas perceções sobre a necessária e constante reconstrão científica do Direito diante
da História da humanidade e da comparação de sistemas em perspetiva temporal e sis-
temática, reconhecendo sobre o método histórico — especificamente sobre o pensar de
meados do século XIX —, a condição de ser o mais fértil a garantir a pretensão das ciências
sociais de compreender a existência de princípios que dessem respostas racionais (pensée
humaine) ao que era divino, garantindo a definição do verdadeiro, do belo e do justo, a fim
de dar respostas às necessidades contemporâneas; e, isto, seria possível pela observação,
racionalização e comparação do que acontecera no passado dos povos pela experiência dos
indivíduos, ligados por elementos jurídicos.
A pretensão, a bem do facto, era de superar o que seria individual em favor do que era
universal, propondo-se a mudança do paradigma de observação que permitisse abandonar
a perspetiva do exato31 sobre o verdadeiro, o belo e o justo, para cuidar da observação sobre
a experiência real dos povos revelada em sua vida cotidiana percebida de época em época,
no passado.
Aquilo que era verdadeiro e absoluto, o próprio princípio em si, no passado, é agora
ultrapassado, embora demonstre-nos as rzes do que hoje se apresenta. Assim, em toda
legislação se revelaria a influência do pensamento do passado destacando o convívio har-
mónico entre os elementos filosófico (teoria) e tradicional (prática), a ponto de a escola
moderna se valer destes elementos de valor histórico para lhe delimitar, nunca lhe asfixiar
(Laboulaye, 1855, p. 3).
28 KLIMRATH, Henri — Travaux sur l’Histoire du Droit Français. Strasbourg: Chez Veuve Levrault, 1843
29 Laboulaye (1855, p. 12) remarca que os estudos de Savigny foram importantes, não só pela revolução imposta à
Ciência do Direito para além da Alemanha diante do método histórico definido com tamanha clareza, segurança
e sobriedade de erudição, que os ensinamentos permitem a seus alunos, dentre eles Henri Klimrath, irem além
no aperfeiçoamento do conhecimento e depuração do método.
30 LABOULAYE, Édouard — De la Méthode Historique em Jurisprudence et son Avenir. In: Revue historique de droit
français et étranger. Paris. V. 1, 1855, pp. 1-23.
31 Trabalhado pela lógica corrente matemática que representa na significação: lexpression mathematique (Laboulaye,
1855, p. 2).
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Édouard pretende demonstrar que o método histórico permite observar quão con-
fusa é a produção do Direito, de época em época, concluindo pela perceção sobre o pouco
progresso conseguido, além das inúmeras lacunas científicas que ainda persistissem na
legislação; e, tal perceção, em certo grau de problemas da Ciência do Direito e da Filosofia
são os mesmos e podem ser restritos a questão de saber qual seria o grau de desenvolvi-
mento humano diante da educação (rectius, informação) recebida do passado (Laboulaye,
1855, p. 3-4).
IV.A. O método histórico por Édouard Laboulaye
A reconstrução do Direito em nível de ciência aproxima-o da Filosofia e, em se conside-
rando a necessidade de retroagir à época de reflexão, o mais ponderável a fazer seria per-
seguir os elementos de filologia a qual percebera que, embora a língua francesa tivesse
íntima relação com a língua romana32, antes recebera influência asiática. Pela mesma
lógica dever-se-ia conduzir a observação e análise das instituições jurídicas, anteceder
para antes da tão conclamada Lei das Doze Tábuas (Laboulaye, 1855, p. 4).
Retroagindo a época histórica, vê em interesse para formação jurídica das instituições
modernas a experiência de três povos (indiano, judeu e grego), e, neste âmbito, integra ao
seu discurso a imporncia das técnicas e método de Direito comparado (législation com-
parée) adaptado ao método histórico, ou seja, a observação e análise deve ser feita diante
da experiência real e concreta de cada povo, em cada período histórico, cuja comparação
somente é possível em restrição ao fenómeno jurídico tomado em cada momento da His-
tória (Laboulaye, 1855, p. 5).
Como exemplo, aos indianos reconhece a importância das Leis de Manu quando
demonstram o amalgamar entre o Direito e a religião, típico de uma certa época imemo-
rial da civilização, renovado nas primeiras leis romanas, recuperado no Direito canónico e
reafirmado na Idade Média (Laboulaye, 1855, p. 6).
Aos judeus propõe uma análise em dois momentos, tendo na relação com o cristia-
nismo o ponto de rutura. Antes do cristianismo, a nítida confusão entre Direito e moral; e,
após a influência do dogma sacro-evangélico na formação do Direito canónico ao influen-
ciar a forma e as instituições romanas (Laboulaye, 1855, p. 6).
Aos gregos percebe influência diferente. Toda autonomia dos povos que formaram a
confederação grega impedia a unidade real e, por conseguinte, a identidade única, embora
tenha contribuído para o desenvolvimento das artes e da filosofia (especialmente a passa-
32 Importante marcar a língua romana para reconhecer que, embora o longo período de formação do Direito ro-
mano tenha se deparado com inúmeras mudanças, inclusive com a elevação do grego, prefere-se destacar a raiz
latina.
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gem da mítica para a racional), de modo que somente após o reconhecimento da necessi-
dade comum de defesa contra a ameaça externa asiática observa-se o desenvolvimento da
Ciência do Direito — das Gentes (Laboulaye, 1855, p. 7-8). Nestes termos, é comum armar
que, ao seu tempo, os gregos desenvolveram a política, e os romanos o Direito.
Mesmo com as particularidades assentadas na nítida confusão entre Direito, religião,
moral e política, típica da experiência destes povos, vários do princípios são observados
na estrutura romana, tais como: o poder paternal, o casamento, a sucessão, e os sacrifícios
(pinda), dos indianos; o respeito aos costumes garantidos pelas tradições religioso-jurídi-
cas na experiência do Talmud (especialmente no Mishná), entre os judeus; e, a leitura polí-
tica de viés jurídico concebida no seio da cité (polis) que regula toda a vida dos indivíduos,
entre os gregos.
Da influência para constituição do Direito romano, passa-se ao Direito canónico, reco-
nhecido para além da simples adaptação do Direito romano segundo as ideias criss
propostas pela Igreja, para satisfazer as necessidades das nações ocidentais, como que-
rem uns; para a proposição de que se trata de um Direito constituído pela Igreja a par-
tir da suavização do Direito romano pelo Evangelho, pelos costumes gernicos e pelas
novas ideias que, romanas pela forma e pelos fundamentos, governou o ocidente por suas
próprias instituições, sendo invocada, quando necessária a busca da justiça, superando
os duelos e outros “jogos nobiliárquicos de honra”, os procedimentos criminais e civis
canónicos (Laboulaye, 1855, p. 13).
Do Direito canónico, indispensável para compreensão da legislação francesa, iniciou a
análise do Direito interno em França propondo o sequenciamento histórico dos diplomas
(v.g. leis bárbaras e capitulares, antigos costumes, ordenações e estilos — formas de pro-
ceder — desde os do parlamento até os de matriz jurisdicional) que permite sistematizar,
para além da formação do Direito até a estrutura contemporânea, os fenómenos, social e
de poder.
Do discurso de Édouard a perseguir o objetivo de sistematizar os factos históricos
de viés jurídico como realmente aconteceram no âmbito dos povos contribuindo para o
desenvolvimento científico do Direito, é possível observar uma estrutura bem definida
que, partindo de eixos temáticos, adota uma técnica dividida em dois elementos: os estu-
dos prévios de reconhecidos estudiosos (há que se ter por referência os autores que se preo-
cuparam com os estudos, ao seu tempo, de cada um dos eixos temáticos), e a imporncia
do método histórico em perspetiva comparada.
Especificamente sobre a importância do método histórico em perspetiva comparada,
afirma que “a História do Direito nos dá todo o passado da França, o Direito comparado
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nos dá a Europa inteira”33, o que permite afirmar que o estudo da caminhada das várias
nações contribui para o reconhecimento dos vários estágios de civilização para cada povo,
assim como há distintas idades para os indivíduos; como se vê, por exemplo, no âmbito da
propriedade e da justiça institucionalizada diante de parâmetros normativos delimitado-
res da jurisdição34.
Na prática, estes modelos concebidos em exemplos são comprováveis, como observa
Édouard, ao seu tempo: na Rússia vale a regra da propriedade comunitária como o era na
França da Idade Média; e, dentre os albaneses e árabes, se observa a vingança e os Direi-
tos de sangue regulamentados como os germânicos, em seu passado jurídico (Laboulaye,
1855, p. 21).
Se se admite a comprovação dos modelos por exemplo como visto, há que se ter atenção
neste momento de aplicação prática; afinal, as ligações históricas que admitem a trans-
posição das normas e instituições jurídicas não podem ser tão distantes, mas próximas e
interligadas diante da realidade de cada povo.
Assim, Édouard (1855, p. 21-22) reconhece como impossível comparar por seu método
histórico, franceses e atenienses, mas admite a comparação ente ingleses e romanos,
diante da marcante semelhança no âmbito das instituições políticas e civis, além de ambos
não terem uma constituição escrita formal, reconhecerem de igual modo a força dos pre-
cedentes judiciais, conservarem a mesma influência da religião, aristocracia e costumes
nos instrumentos e instituições jurídicas (v.g. a força dos costumes diante da formação
da lei, de igual modo da jurisprudência na criação dos códigos, e do valor das palavras
na lei diante do espírito legislativo em reconhecimento ao cumprimento escrupuloso das
normas e o respeito à liberdade em igualdade).
V. Conclusão
Ao término do artigo, percebe o atento leitor a opção pela descrição das teorias de Friedrich
Carl com Savigny (Beruf e System) e Édouard Laboulaye (Méthode) quanto aos elementos
imanentes ao método histórico em perspetiva comparada, deduzidos dos factos históricos
posteriores a assinatura do Tratado de Paris e da instauração do Congresso de Viena, a par-
tir de 1814, que estimulou a construção teórica para (re)criação de uma Ciência do Direito
33 Tradução livre e pessoal de: “L’Histoire du droit nous donne tout le passé de la France, la législation comparée
nous donne l’Europe entière” (Laboulaye, 1855, p. 21).
34 «A propriedade comum em toda a parte precede a propriedade individual, a vingança familiar e a lei da talião
aparecem antes da redenção de sangue, e a instituição da justiça regular», tradução livre e pessoal de: “La pro-
priété commune précède partout la propriété individuelle, la vengeance de famille et la loi du talion paraissent
avant le rachat du sang, et l’institution d’une justice régulière” (Laboulaye, 1855, p. 21).
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que resgatasse a autoridade da lei tendente a unificação nacional alemã e de resgate da
identidade tradicional do povo francês, estimulada a partir da proposta de Anton Friedrich
Justus Thibaut.
Tal opção encontra fundamento na própria pretensão do artigo em propor uma lei-
tura sobre a sistematização do método histórico na perspetiva da Escola Histórica desde a
influência de Savigny, em diálogo sobre o fundamento ideológico de criação de um Código
civil geral para toda a Alemanha, com — e contra — Thibaut, justificado na consciência
geral de seu povo, que desse origem a um Direito popular percebido pelos elementos inter-
nos do Direito consuetudinário contributivos para compreensão do Direito positivo que,
após análise teórica metodicamente orientada por critérios formais e materiais, permi-
tisse revelar o Direito vigente adaptado à nova realidade política instruída por leis novas.
O avançar da sistematização permitiu, por um lado, a perceção, justamente, de um
método centrado na alise do Direito positivo em perspetiva comparada, possível pela
observação das fontes jurídicas históricas, das tradições dos povos (especialmente dos
povos alemães e centradas nos costumes), e dos códigos paradigmáticos da época; e, por
outro, a reflexão sobre a origem do Direito positivo, ao se conceber que todo Direito nasce
como Direito consuetudirio, ou seja, origina-se, primeiramente, dos costumes e das
crenças populares, para após se reconhecer na jurisprudência, o que levaria a dedução
lógica que somente em tempos modernos se justificaria na vontade do legislador.
O que de todo se percebe é a certeza de Savigny que a Ciência do Direito é histórica,
isto é, ultrapassaria a simples interpretação da vontade do legislador, em dado momento,
ao criar a lei, para impor ao observador a análise do Direito positivo em perspetiva com-
parada possível pela observação das fontes históricas, das tradições dos povos (especial-
mente, por experiência pessoal, do povo alemão) e dos códigos paradigmáticos da época
que permitiriam confirmar a origem do Direito atual no Direito romano, diretamente ou
por adaptação das disposições aos costumes alemães locais, bem como o dever de fideli-
dade às fontes.
Neste contexto, ao determinar o Direito vigente, o recopilador deve ter claros três
requisitos ao elaborar o Código: a) sua natureza, a qual deve ser justificada na reta deter-
minação de perquirir um Direito nacional geral que substituísse, resolvendo a crise de
validade, os Direitos locais, garantindo a mais elevada certeza jurídica que se apoiasse na
aplicação equânime; b) seu conteúdo baseado na certeza de sê-lo o mais completo possível,
uma vez que assumiria a condição de ser a única fonte de Direito responsável pela reso-
lução de todos os casos jurídicos pós-apresentados; e, c) sua forma deve ser inspirada na
aptidão para exposição em que se prestigiasse as regras gerais com linguagem acedível a
todos e dotada de atenta brevidade.
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Regressando a pretensão deste artigo, sugeriu-se, outrossim, o diálogo com Édouard
Laboulaye quanto a inversão do paradigma de influência; agora, pelo reconhecimento do
método histórico, sob influência dos contributos de Savigny, que permitisse a justificação
científica do Código napoleónico — ou outro em seu lugar — em valores tradicionais repas-
sados, de geração em geração, desde a formação de sentimento de povo francês.
Percebe-se que o discurso se cinge ao objetivo de sistematizar os factos históricos
de viés jurídico como realmente aconteceram no âmbito dos povos contribuindo para o
desenvolvimento científico do Direito, o que permite observar uma estrutura bem defi-
nida em eixos temáticos que obriga a adoção de técnica dividida em dois elementos: os
estudos prévios de reconhecidos estudiosos sobre cada tema a regulamentar, e a impor-
ncia do método histórico em perspetiva comparada.
Em observação final, há que destacar que os dois diálogos (Thibaut-Savigny e Saviny-
-Laboulaye) permitem afirmar que Savigny e Laboulaye reconhecem a importância da His-
tória do povo, a influência de elementos filosóficos na formação da teoria científica a ser
adotada pelo Direito, a referenciação em elementos de Direito comparado e a necessidade
de construção de uma “Ciência do Direito” com o assentamento no método histórico em
bem posta observação em perspetiva comparada com equilíbrio entre a teoria e a prática.
De destaque em cada argumento é o modo como adotam suas referências, conforme
teoria sustentada no método histórico em perspetiva comparada, quanto à observação
daquilo que veem como prática: Savigny analisou, especialmente, os três Códigos vigen-
tes à sua época (francês, prussiano e austríaco) reconhecidos como os mais relevantes,
concluindo que ambos têm origem no Direito romano, fundamentavam-se em institutos
de Direito romano adaptados aos costumes, e eram fiéis as fontes; enquanto Laboulaye
analisou por inspiração da filologia os sistemas jurídicos históricos de três povos que
influenciaram a língua e o povo francês (indianos, judeus e gregos), cujas observação e
análise deveriam ser realizadas diante da experiência real e concreta de cada povo, em
cada período histórico, sendo a comparação somente possível em restrição ao fenómeno
jurídico tomado em cada momento da História.
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